O Brasil em marcha | ||||||
Com novas formas de propaganda nacionalista, Getúlio Vargas buscou constituir uma sociedade militarizada. Uma mentalidade inspirada no nazi-fascismo e para a qual a população da época estava aberta | ||||||
Série de curtas-metragens informativos exibidos obrigatoriamente em todas as salas de cinema do país (em geral antes de longasmetragens de ficção), o Cine Jornal Brasileiro acompanhava as ações de Getúlio. Podemos dividir a série em dois momentos: um de 1939 a 1942, utilizado para difundir o projeto estadonovista, e outro até 1945, dedicado à prestação de apoio às Forças Aliadas, no momento de rompimento de Vargas com os países do Eixo. No primeiro momento, figuravam na tela inaugurações de obras públicas, cerimônias cívicas, visitas diplomáticas, referências à industrialização do país, entre grande multiplicidade de temas, recheados pela contemplação do propósito estadonovista, com repetidas cenas de desfiles militares, marchas, demonstrações de força e ordem, e de “cultura física”, que preparavam o terreno ideológico para a construção do modelo de sociedade militarizada. | ||||||
Havia a constante da aparição de “corpos brasileiros” marchando em prol de um “Estado novo”. Já com a realização de cerimônias cívicas, o Estado Novo reafirmou suas estratégias diplomáticas e sua política militarista. Em cenas de visitas de Getúlio Vargas a escolas do Exército, por exemplo, além do cerimonial da chegada do “Chefe da Nação”, são retratados longamente os desfiles de oficiais: primeiro os do Exército, fazendo suas honras, e, em seguida, os desfiles alinhando uma “multidão” de homens na prática de exercícios de marcha e luta. | ||||||
Com freqüência, o mesmo narrador utiliza expressões como “aperfeiçoamento da raça”, “evolução da espécie”, “preparo físico das novas gerações”. A respeito das “novas gerações”, é curioso mencionar outra edição de 1941 (filme no 76, volume II), que acompanha um desfile infantil. Na verdade, trata-se de crianças de 2 a 4 anos, desfilando no colo de suas mães, disputando um campeonato de quem era mais robusto. Evidenciando, ainda, o projeto eugênico do Estado Novo, a cena privilegia mulheres brancas, bem vestidas, carregando seus filhos brancos, em sua maioria, em uma sugestão de que o “povo brasileiro” seria futuramente composto por aquele tipo de físico. | ||||||
Em 1937, o Estado Novo, recém-instaurado, reafirma a importância da Educação Física para a implementação de uma política de integração nacional. A partir de então, a Educação Física passou a integrar o ensino em todas as escolas primárias, normais e secundárias do país, como decretava a Constituição Brasileira de 1937: “O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas e outras por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação”. Ou seja, a preparação física em defesa da nação tornou-se uma das tônicas mais significativas da política e propaganda varguistas, sendo que os temas saúde, higiene e educação física estavam interligados no imaginário do período, para nutrir a idéia da construção de um novo “corpo” do povo brasileiro. | ||||||
O próprio modo de se vestir sofreu forte influência da estética militarizante do período. Ao longo da década de 30, a moda feminina foi, aos poucos, se “masculinizando” e se “militarizando”, como se antevisse a moda que seria comum durante a Segunda Guerra Mundial. Sapatos pesados, com salto grosso, de amarrar ou no estilo botina, foram sendo cada vez mais aceitos pelas mulheres brasileiras e, com a eclosão do conflito, tornaram-se ainda mais sisudos. No início da guerra, as roupas femininas já demarcavam uma silhueta em estilo militar. Confeccionados com tecidos pesados, jaquetas e capotes tinham corte reto, com ombreiras demarcadas. O DIP, pelo Cinejornal Brasileiro, se valeu da aceitação prévia dessas premissas que buscava afirmar. Por meio das imagens, o Estado buscava construir uma intimidade com o poder. Como nunca haviam sido antes, as autoridades eram expostas em primeiro plano, instaurando nos espectadores a sensação mágica de proximidade com o “Chefe da Nação” e as autoridades que o acompanhavam. Pelas imagens dos corpos em marcha, a sociedade disciplinada foi contemplada e, a partir dela, a nação aparecia unida corporalmente, como um só organismo. Tal contato com o Estado extrapola o âmbito racional e burocrático, para adentrar num âmbito sensorial. Aliada às imagens, a presença aguda da música e do narrador dava intensidade à proximidade com o universo simbólico do poder. Cabe ressaltar que a década de 30 foi marcada pela presença do rádio, um fator determinante na linguagem dos cinejornais. A forma narrativa da notícia provinha do narrador radiofônico, bastante difundido na sociedade brasileira do período. No Cine Jornal Brasileiro houve um encontro entre as linguagens radiofônica e cinematográfica para resultar, talvez, na melhor aceitação de um novo gênero comunicativo a ser explorado para a contemplação do poder – o cinema não-ficcional. INFLUÊNCIA NAZI-FASCISTA Esse estilo fílmico provinha de referências internacionais, uma vez que o Brasil ainda não possuía tradição no campo do documentário político. Muitos dos regimes autoritários modernos, principalmente das décadas de 20, 30 e 40, utilizaram o cinema de não-ficção (documentários, cinejornais, filmes de atualidades, entre outros gêneros) como propaganda política. Alemanha e Itália, por exemplo, fizeram investimentos significativos, nos anos 30, para garantir o envio de material de propaganda para a América Latina, incluindo o Brasil. Apesar da dificuldade de exibição de propaganda nazi-fascista no país, devido à intensa concorrência com distribuidoras americanas já instaladas, a sólida relação do ideário fascista com setores da intelectualidade brasileira fez com que esse tipo de propaganda tivesse adeptos à sua divulgação em território nacional e uma repercussão notável no Brasil. | ||||||
A elite brasileira, nos anos 20 e 30, afirmou em diversos artigos publicados pela imprensa da época uma expressiva simpatia pelas doutrinas fascistas. Tais “influências internacionais” foram decisivas na construção de um imaginário político e propagandístico que caracterizou, em especial, o início do governo de Getúlio Vargas. A Alemanha da época buscava tornar-se uma nação puramente ariana, um corpo nacional específico que comporia um “Novo Império”, o chamado Terceiro Reich. Na Itália fascista, o corpo nacional, destruído após a Primeira Guerra Mundial, procurava ser refeito. Ambos os países estavam em reconstrução “mental e física” e passaram pelo período da valorização dos monumentos, das grandes construções arquitetônicas, do culto ao corpo, da higiene, da força militar. Nesse sentido, é possível identificar características semelhantes na produção cinematográfica desses países com a produção inicial do Cine Jornal Brasileiro, entre 1939 e 1942. Mesmo considerando suas particularidades, em ambos havia o ideário político ligado à unidade nacional de um Estado forte e centralizador, a negação da luta de classes, a alusão aos inimigos da Pátria, a figura de um líder carismático, o enaltecimento aos novos monumentos arquitetônicos, erguidos pelo “surto do progresso” nacional. Retratavam, também, inaugurações de obras públicas, os desfiles cívicos e o treinamento físico das novas gerações. Os documentários nazistas eram, na realidade, longas-metragens, que contavam com amplo aparato técnico, inviável para os padrões brasileiros do período. Além disso, a sofisticação estética dos filmes da documentarista alemã Leni Riefenstahl, por exemplo, era incomparavelmente superior à estética de filmejornal ou cinejornal produzidos no Brasil. De fato, comparar o filme Olympia a qualquer edição do Cine Jornal Brasileiro é apenas aproximar as similaridades quanto à utilização do esporte como ferramenta moral e instrumento de regeneração da raça. Como em Olympia, constatamos na produção nacional a recorrente utilização de imagens do corpo e dos esportes como ato de patriotismo, valorizando seus músculos, sua agilidade e principalmente a perfeição de seus movimentos. Em O triunfo da vontade, o espetáculo proporcionado por Leni Riefenstahl é tão monumental que, de fato, o espectador tem condições de sentir-se “ali, entre os estandartes, flutuando com as bandeiras, em pé, próximo a Hitler”. Nesse filme, encontram-se muitas dimensões que nortearam o imaginário nazista, que não deve ser comparado aos curtas-metragens do DIP. Em primeiro lugar, deve-se atentar para a imensidão impactante das cerimônias nazistas, exploradas pela documentarista alemã. Em O triunfo da vontade, as cenas mostravam o projeto do terceiro Reich Alemão. Essa grandiosidade certamente influenciou alguns aspectos das produções cinematográficas do período autoritário do governo Vargas, embora não tivessem a mesma sofisticação. Podemos observar essa influência em algumas das cenas do Cinejornal Brasileiro, nas quais, repetidamente, era mostrada a chegada de Getúlio Vargas de avião. Trata-se da famosa cena do início do filme de Leni Riefenstahl. Apesar de a câmera não estar dentro do avião, como é o caso do filme nazista, a cena remete simbolicamente à mitificação do líder, como se chegasse do céu. Os governos autoritários dos anos 30 e 40 se caracterizaram por construir um modelo de organização da sociedade que previa uma grande concentração de poder nas mãos do Estado, além da personificação do poder e da autoridade. Aliado a isso, no âmbito ideológico, eram-lhes impressos estereótipos raciais e sociais. A construção da nação deveria ser pautada na ordem, obediência à autoridade e aceitação resignada das desigualdades sociais, sendo esta última característica mais expressiva no caso brasileiro. |
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário